4 de outubro de 2012
Da IHU On-Line
Vislumbrando o aumento do consumo de alimentos nos próximos vinte
anos, a expansão agrícola deve considerar as áreas degradadas e investir
em produtos diversificados, oriundos das florestas e biomas do país.
“Só no território amazônico, existe entre 12% e 17% de áreas degradadas,
que poderiam ser utilizadas para produção agrícola”, aponta o diretor
do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, Adalberto Val. Em
sua avaliação, a agricultura brasileira ainda está “concentrada em
produtos que são extremamente convencionais”, e o país “não está
avançando diante da enorme biodiversidade que tem”.
O desperdício de alimentos gerado pelo atual modelo de
desenvolvimento agrícola é um desafio a ser resolvido. Segundo o
pesquisador, cerca de 30% dos alimentos produzidos vai para o lixo, e
isso significa que de “cada R$100,00 em produtos, perde-se cerca de
R$30,00”. E enfatiza: “Trata-se de uma perda bastante significativa
dentro desse contexto. Se você imaginar que, para um produtor ou um
empregado, essa proporção poderia melhorar sua qualidade de vida,
podemos dizer que vale a pena investir para reduzir essas perdas”.
Segundo o entrevistado, reaproveitar as terras já desmatadas e a
diminuir o desperdício de alimentos dependem do investimento em ciência e
tecnologia. “Há um grande interesse do governo, mas falta pessoal
qualificado para estudar as regiões que têm terras degradadas”, diz em
entrevista concedida à IHU On-Line por telefone. E conclui: “Basta
considerar o caso da Amazônia e dos nove estados amazônicos, ou seja,
cerca de 60% do território brasileiro. Nessa área toda, tem pouco mais
de quatro mil doutores, metade dos quais não está envolvida com a
produção científica, pois muitos se encontram trabalhando com questões
administrativas de uma maneira geral. Então, apesar de o Brasil estar
formando 11 ou 12 mil doutores por ano, a quantidade desse pessoal
fixada nessas áreas do país ainda é bastante frágil e reduzida”.
Confira a entrevista:
Quais são as razões de 35% da produção agrícola brasileira
ir para o lixo? O que isso demonstra sobre o modelo agrícola
brasileiro?
A produção agrícola brasileira está concentrada em produtos que são
extremamente convencionais. Quer dizer, o Brasil não está avançando
diante da enorme biodiversidade que tem. Boa parte dos produtos
agrícolas é desperdiçada ainda no campo, depois em função do transporte.
Apesar disso, cabe ressaltar, por um lado, as possibilidades que o
Brasil tem de avançar de forma bastante significativa no uso de novos
produtos a partir da diversidade biológica. Por outro, um aspecto
extremamente relevante e importante dentro deste contexto é utilizar as
áreas degradadas nos diferentes biomas brasileiros para produção
agrícola. Só no território amazônico, existe entre 12% e 17% de áreas
degradadas, que poderiam ser utilizadas para produção agrícola.
Evidentemente que esse reaproveitamento das terras depende de informação
científica. Portanto, a otimização não só para a redução das perdas
agrícolas, mas também para utilização de áreas degradadas e para a busca
de novos produtos na biodiversidade depende fundamentalmente de ciência
e tecnologia. Por isso é preciso imediatamente direcionar recursos para
que se possam utilizar novas tecnologias.
Eu não estou falando só da produção plantada no solo, mas também de
outros processos de produção de proteínas, como a produção de peixes,
que é uma alternativa extremamente importante e interessante para o
Brasil por conta de sua vasta extensão hídrica. É possível avançar nesta
área de forma significativa. O mundo aponta hoje para uma expansão de
necessidade de alimentos para daqui a 20 ou 30 anos. Então, o Brasil vai
precisar dobrar a produção de alimentos. Em vista disso, se fizer uma
análise geral nos países do mundo que têm condições de atender a essa
demanda, verá que é reduzido o número de países que são capazes de
atender a essa questão e, entre eles, está o Brasil. O Brasil talvez
seja um dos únicos países capaz de dobrar a produção agrícola em um
curto espaço de tempo.
Como estão os investimentos em tecnologias para reaproveitar as áreas degradadas?
Há um grande interesse do governo, mas falta pessoal qualificado
para estudar as regiões que têm terras degradadas. Basta considerar o
caso da Amazônia e dos nove estados amazônicos, ou seja, cerca de 60% do
território brasileiro. Nessa área toda, tem pouco mais de quatro mil
doutores, metade dos quais não está envolvida com a produção científica,
pois muitos se encontram trabalhando com questões administrativas de
uma maneira geral. Então, apesar de o Brasil estar formando 11 ou 12 mil
doutores por ano, a quantidade desse pessoal fixada nessas áreas do
país ainda é bastante frágil e reduzida.
Qual é o custo econômico e social desse desperdício para o Brasil?
Em uma estimativa, o Brasil perde algo em torno de 30% de todo o
processo agrícola. Isso significa que de cada R$100,00 em produtos,
perde-se cerca de R$30,00. Trata-se de uma perda bastante significativa
dentro desse contexto. Se você imaginar que, para um produtor ou um
empregado, essa proporção poderia melhorar sua qualidade de vida,
podemos dizer que vale a pena investir para reduzir essas perdas. Seria
possível treinar melhor as pessoas em um processo de inclusão social
mais efetivo, dentro de um processo educativo mais amplo.
Que mudanças seriam necessárias para reverter esse quadro?
Seria o caso de modificar a logística do transporte ou pensar um novo
modelo de desenvolvimento agrícola?
Temos de caminhar nesses dois sentidos. A tendência geral sempre
foi nos adaptarmos a um modelo pré-pronto e estudar uma melhoria do
modelo. Portanto, precisamos de novos conceitos, novas modalidades para
atuar na agricultura. Por isso o investimento em ciência e tecnologia no
sentido de definir novas formas de transporte, novas formas de
utilização e novas formas de armazenamento para os produtos agrícolas é
fundamental.
Além do desperdício, quais são os outros gargalos que o circuito dos alimentos e a agricultura enfrentam no Brasil?
A questão da segurança alimentar deixa o Brasil fragilizado. Na
realidade, é preciso proteger melhor o processo de produção agrícola no
país, principalmente no que se refere a sistemas que vulnerabilizam a
agricultura. Nesse sentido, é necessário trabalhar fortemente para
proteger o sistema agrícola, por um lado. Por outro, é necessário
precisamos buscar novas variedades agrícolas, que sejam mais produtivas
em determinados ambientes, de forma que se possa ampliar a produção de
alimentos cultivados nas florestas e biomas brasileiros. Na Caatinga, no
Pampa e na Mata Atlântica temos um conjunto bastante significativo de
informações, que poderiam ser transformadas em novas oportunidades.
Portanto, explorar, do ponto de vista da diversidade biológica, novos
produtos e novas variedades é extremamente importante para melhorar a
produção agrícola, inclusive dando mais competitividade a ela.
Outro aspecto extremamente importante é a questão da perspectiva
desses novos cenários de mudanças climáticas que o Brasil e o mundo
deverão enfrentar. Como o sistema de produção agrícola e de produção
animal irão se comportar em cenários em que a temperatura será mais
elevada e nos quais haverá maior concentração de dióxido de carbono na
atmosfera?
Qual é o papel do Brasil diante da crise alimentar? E como conciliar a exportação com o consumo interno?
Tenho insistido muito no seguinte: em algumas áreas o Brasil não
pode ficar a “reboque” das agendas que são geradas em outros países. Por
exemplo, no que se refere à biologia tropical, não há por que copiarmos
ou executarmos uma agenda que não é nossa. O Brasil precisa ocupar o
papel de protagonista nesse contexto de crise alimentar.
Em relação à questão do abastecimento interno, precisamos melhorar o
processo educativo de uma maneira. Nós temos um vício cultural muito
grande com relação ao desperdício de alimentos, e a solução desse
problema depende de uma mudança de postura, que deverá vir a partir de
mudanças profundas nos processos educativos do país.
Na última década o Brasil triplicou o uso de agrotóxicos na
agricultura. É possível desenvolver uma agricultura sem a utilização
desses produtos?
É possível, principalmente com base no manejo biológico, que é
fundamental nesse processo. Em um ambiente natural não é utilizado
agrotóxico. Por que se usa o agrotóxico? Porque estamos trabalhando com
uma variabilidade genética menor. Toda vez que trabalhamos com uma
variabilidade genética menor, tornamos o organismo cultivado muito mais
frágil, e aí a necessidade de usar o agrotóxico é cada vez maior. Na
realidade, precisamos de um processo adaptativo de manejo biológico no
sentido de manter a rusticidade dos organismos, plantas e animais,
diante de um processo de produção que é diferente daquele que tem um
ambiente natural.
Como compreender a crise alimentar do mundo, considerando a
quantidade de alimentos produzidos? A raiz deste problema é econômica e
política?
É mais política do que econômica, e está fortemente relacionada ao
processo educativo. Precisamos melhorar todo processo educativo no
sentido de otimizar o uso dos produtos agrícolas de uma maneira geral.
Se observarmos dentro da nossa própria casa, o volume de alimentos que
desperdiçamos é muito grande. Talvez pudéssemos alimentar pelo menos
mais um terço dos habitantes com os alimentos que desperdiçamos. Como eu
disse, trata-se de uma questão cultural. Precisamos trabalhar essa
questão ao longo do tempo, para que se possa ter uma postura
diferenciada no futuro.
FONTE: http://www.mst.org.br
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