No dia 13 de Novembro de 2012 no Assentamento Canudos localizado nos
municípios de Palmeiras, Guapó e Campestre do Estado de Goiás foram presas as
pessoas de Belchior Viana Gonçalves e Paulo Roberto de Sousa.
A prisão preventiva decretada pelo magistrado Alderico Rocha Santos, em
substituição, na 11ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Goiás foi
fundamentada pela garantia da ordem pública, da aplicação da lei e da
conveniência da instrução criminal. O pedido de prisão foi do Delegado de
Polícia Federal Luciano Dornelas devidamente corroborado e atá ampliado pelo
Procurador da República Raphael Perissé.
Ambos detidos são acusados (embora ainda sem processo) de desvio do
PRONAF e outros recursos públicos, estelionato (venda de lotes), intimidação e
ameaça, extorsão e, por fim, formação de quadrilha.
Estas prisões são reflexos da história de luta pela terra e para
permanecer nela do Assentamento Canudos. Refletem também a ausência da política
pública de Reforma Agrária no Estado de Goiás, ou seja, há uma reação em
cadeia. Contraditoriamente, quem sucumbiu a toda inoperância foram Belchior e
Paulo. E suas famílias.
Perderam o direito de liberdade, o mais relevante e sagrado de todos os
direitos da pessoa humana. Não puderam argumentar, apresentar seus fatos, as
contradições e suas circustâncias antes da medida coercitiva Estatal.
Quem são Belchior e Paulo?
Os dois são lideranças do Assentamento Canudos. Defendem e praticam a
agroecologia, a produção na forma de cooperação nas mais diversas
formas, a condução ética e transparente dos projetos sejam de financiamento
público ou privado e têm o respaldo e apoio da grande maioria das famílias
assentadas de lá.Contribuem na articulação, apoio e motivação para viabilizar o conjunto
de políticas de compras de alimentos, PAA, PENAI que têm sido uma alternativa
de renda importante para todas as famílias.
Nunca responderam a nenhum processo administrativo ou judicial por
qualquer motivo que fosse. Sempre participaram das atividades organizativas,
culturais e produtivas do assentamento. Seus lotes são referências de produção
sempre visitados por pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento,
inclusive do Direito.
Ou seja, são pessoas da política, da vida orgânica do Assentamento
Canudos. Por isso, obviamente, contrariam interesses, o que é normal numa
sociedade do Poder e de lutas de classes.
Referidos interesses, por outro lado, primam pelo desvio ético-legal e o
anonimato. Objetivam o fim da Reforma Agrária, o fortalecimento do latifúndio e
a destruição dos movimentos sociais do Campo. Desta forma, fazem uma política
rasteira e sorrateira contrárias a ideia básica de democracia e República.
Qual é a grande divergência política dentro do Assentamento Canudos?
A venda de lotes. Até hoje isso nunca aconteceu. Lembra-se que o
Assentamento Canudos está no centro de grandes latifúndios de alta fertilidade
natural dos solos, portanto, tem valor econômico de grande monta. Até hoje a organização
do Assentamento Canudos não admitiu venda de lotes, o que infelizmente é uma realidade
em boa parte dos assentamentos rurais, com a anuência tácita do INCRA.
Belchior e Paulo estiveram à frente, assim como outras pessoas, e
contrários a qualquer tentativa de venda ou desvirtuamento do assentamento.
Repita-se: NO ASSENTAMENTO CANUDOS NÃO HÁ OU HOUVE VENDA DE LOTES.
Se não se pode vender, é preciso titularizar para tal. Como se faz isso?
O assentado deve comprar o seu lote do INCRA, descontadas as
benfeitorias realizadas. Feito isso, o assentado passa a ser titular e legítimo
proprietário da terra e pode vendê-la.
Assim, a pergunta racional que se faz é: por que dispender recursos na
compra da terra, sendo que a pessoa tem a posse ad eternum e
estes recursos financeiros certamente poderiam ser utilizados na produção do
próprio lote?
Infelizmente, alguns agentes do INCRA têm incentivado, não se sabe
porque, tal atitude.
Quem ganha com a venda destes lotes?
Certamente, ninguém do assentamento terá condições de comprá-los. E a
Reforma Agrária perde toda a sua lógica: terra, trabalho, liberdade e
dignidade.
Nesse sentido, é preciso perguntar:
Por que a grande maioria do assentamento procura desenvolver as
atividades coletivamente e, livremente, escolhendo seus representantes e dando
condições mínimas para o exercício da representação?
Assim, é o papel de Belchior e Paulo. Aliás não recebem nada por isso.
A própria Polícia Federal fez o levantamento financeiro dos acusados e
nada, nada foi comprovado de irregular.
Bem, sobre o desvio do PRONAF a afirmação é completamente equivocada.
Não é possível desviar recursos do PRONAF uma vez que o recebimento do recurso
se dá mediante apresentação de documentos comprobatórios da execução do
projeto; e quem paga é a instituição financeira diretamente ao executor do
serviço ou fornecedor do produto, conforme previsto em projeto previamente
aprovado pela instituição financeira.
É possível, todavia, haver um conluio entre técnicos e assentados,
facilmente comprovável, mas não é o caso dos acusados.
Contraditoriamente, os acusadores, algumas pessoas do assentamento, são
os que verdadeiramente devem, nas seguintes formas: ausência de demarcação de
APP, desvio do PRONAF, aluguel do lote para pastagem, etc... Assim, são as
pessoas que se dizem “ameaçadas” por Belchior e Paulo que efetivamente deveriam
ser processadas e que já foram várias vezes denunciadas pelo próprio
assentamento.
Estas pessoas são as que foram ouvidas pela polícia e que fundamentam a
decisão judicial. Lembra o famoso dito popular “a raposa que cuida do
galinheiro”!
Neste sentido, a quem interessa a prisão de Belchior e Paulo?
Mais grave, existe no Inquérito Policial a declaração de um servidor do
INCRA corroborando com as acusações, junta até documentos.
Incrivelmente, os documentos juntados não incriminam os acusados, ao
contrário, comprovam a idoneidade dos mesmos. Este servidor, ao invés de juntar
o andamento de todo o processo de desvio de PRONAF ou qualquer outra coisa,
junta somente a sua peça informativa, que data de 2008, onde tem sua opinião
ideológica do Assentamento Canudos.
Ora, por que a polícia, o Ministério Público Federal e o próprio
servidor não fizeram juntada de todo o processo de desvio?
Preguiça? Incompetência? Negligência? Imperícia? Ideologia?????
Dúvidas????
É muito temerário prender duas pessoas com base nas alegações de um
servidor público, sem buscar o processo administrativo. Lembra-se que a
atividade de funcionário público deve primar pela legalidade, moralidade,
impessoalidade, eficiência e publicidade.
Há processo administrativo, as autoridades: policia federal, ministério
publico federal e justiça federal não analisaram o processo administrativo e
seus desdobramentos.
GRAVE! GRAVÍSSIMO!
Se tivessem analisado, Belchior e Paulo não seriam NUNCA presos.
Por que não analisaram? Qual o argumento de não pedir acesso a isso?
Simples: criminalização da pobreza e da Reforma Agrária.
Por que o servidor não mencionou o que aconteceu?
Alguém foi omisso!
Não foram Belchior e Paulo que hoje pagam o preço de suas liberdades.
A verdade facilmente emergirá.
E quem será responsabilizado pela prisão arbitrária?
O Ministério Público Federal desde o ano de 2001 tem conhecimento das
divergências no Assentamento. Ao invés de procurar entender o caso,
incentivando a mediação, ordenou diligências e a instauração de Inquérito
Policial. É a cultura da tolerância zero. Estado Máximo Penal X Estado Mínimo
Social.
Assim, é preciso repensar a Reforma Agrária. Reforma Agrária não é caso
de polícia. É política constituicional da ordem econômica; é esteio do
desenvolvimento de uma nação.
A prisão preventiva de Belchior e Paulo é a absoluta confirmação de que
as autoridades do executivo, legislativo e judiciário ainda não conhecem a
cultura do desenvolvimento sustentável, humano e agroecológico do Campo.
É preciso rever esta situação, uma vez que a Reforma Agrária no Estado
de Goiás encontra-se ameaçada e encarcerada.
Estado de Goiás, 15 de Novembro de 2012
Dia da República.
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST
Cerrado Assessoria Popular
Cleuton César Ripol de Freitas
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